domingo, 17 de fevereiro de 2013

Campos-RJ: violência eleva tensão nos assentamentos do MST


 * Por Roberto Barbosa


Viuonline
No na noite do dia 25 de janeiro deste ano, o coordenador do MST, Cícero Guedes dos Santos, de 48 anos, recebeu um telefonema em seu celular. Saiu do assentamento Luiz Maranhão, nas terras da extinta Usina Cambayba, em Campos dos Goytacazes, Norte do Estado, para encontrar o interlocutor. Não retornou. Seu corpo foi encontrado no dia seguinte nas terras da mesma usina, crivado de balas. Ele foi assassinado com 10 tiros.
O suspeito da execução, o servidor público José Renato Gomes de Abreu, 45 anos, está preso. De acordo com a Polícia Civil, ele seria ligado a traficantes da favela Tira-Gosto, em Campos. Segundo o site do MST, “o suspeito não pertence ao movimento e pode ter agido a mando de um fazendeiro da região”.
No dia seis de fevereiro, a agricultora Regina dos Santos Pinho, de 56 anos, que morava no assentamento Zumbi dos Palmares, nas terras da massa falida da Usina São João, foi encontrada morta dentro de sua casa. Perto do corpo foi encontrado um lenço de cabelo, que provavelmente foi utilizado para perpetrar o crime. As circunstâncias ainda são misteriosas.
Essas duas execuções podem estar relacionadas a fatores idênticos: atuação de uma máfia nos assentamentos, especulação imobiliária e venda ilegal de lotes. Segundo reportagem publicada na edição deste domingo (dia 17) do Jornal carioca O Dia, existe uma lista com nomes de mais 15 agricultores marcados para morrer nos assentamentos.
Tanto o assentamento da Usina Cambayba quanto da Usina São João, estão localizados em áreas de expansão imobiliária. A cidade de Campos dos Goytacazes impulsionada pela exploração de petróleo na camada do pré-sal e o porto do Açu, na vizinha São João da Barra, passa por um crescimento demográfico intenso.
A cidade tem pouco mais de 300 mil habitantes, segundo o último censo do IBGE. Em até uma década o município deve chegar a 1,2 milhão de habitantes, de acordo com projeções divulgadas em documentos da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan). Com isso, a zona urbana avança em direção aos dois assentamentos, provocando valorização de suas terras.  A expulsão dos assentados e o fracasso da reforma agrária favoreceriam os negócios da máfia que ambiciona venda de lotes.
Cícero Guedes coordenava os assentamentos e organizava um projeto de agroecologia, o cultivo e venda de produtos sem agrotóxico. Assim como Regina. Portanto, os dois podem ter cruzado caminho e os negócios de gente perigosa. Os outros integrantes do MST, que estariam na lista de execução, já foram retirados dos dois assentamentos por medida de segurança. Um deles está no programa de proteção às testemunhas.

Anistia Internacional pede apuração

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As duas mortes no Norte Fluminense acionaram a luz vermelha entre os líderes do MST e alcançaram uma repercussão internacional, porque não são simplesmente dois crimes. São, na verdade, mas dois crimes que fomentam as estatísticas de assassinatos em decorrência de conflitos agrários.
Dados da Comissão Pastoral da Terra destacam que em duas décadas e meia, 1.614 pessoas foram mortas no Brasil em conflitos pela posse da terra. Até 1991, segundo as mesmas estatísticas, apenas 91 casos foram julgados. Só em 2001, os conflitos agrários provocaram 29 mortes. A impunidade, nesses casos, só contribui para acentuar os conflitos.
Na mesma cidade de Campos, em novembro do ano passado, Antônio Carlos Biazini,de 45 anos, foi morto nas proximidades de um acampamento ligado à Federação dos Trabalhadores Agrícolas (Fetag). O acampamento ficava próximo à Usina Sapucaia. Na ocasião, na mesma emboscada, foi morto o acampado Joais da Silva Rocha, de 25 anos.
A Anistia Internacional mais uma vez entrou no campo de batalha. Na última semana a entidade divulgou nota oficial conclamando as autoridades do Estado do Rio de Janeiro a elucidarem os dois crimes de integrantes do MST na cidade.
“A impunidade nos assassinatos relacionados ao conflito por terra alimenta a violência no campo e coloca a vida de defensores de direitos humanos em risco. A Anistia Internacional espera que as autoridades no estado do Rio de Janeiro investiguem ampla e imparcialmente as mortes recentes e levem os culpados à justiça”, diz um trecho da nota.

Lentidão do Incra fomenta a violência

A Anistia quer uma investigação ampla, geral e irrestrita, pedindo não apenas a prisão e julgamento dos assassinos, mas um levantamento completo para elucidar a motivação desses crimes. Se levantar o tapete vai encontrar poeira. O caso já seria alvo de uma investigação em Brasília, a pedido da direção geral do MST e do Ministério da Justiça.
Outro motivador da violência no campo é a letargia do Instituto Nacional de Reforma Agrária (Incra) nas desapropriações de terras improdutivas e na entrega dos lotes. A situação cria um cenário de instabilidade confrontando proprietários rurais e integrantes de movimentos de trabalhadores rurais ou abrindo margem para organizações criminosas intimidarem agricultores para se apossar das terras.
Enquanto isso, o Brasil segue mal na fita, com imagem altamente negativa na imprensa internacional. A morte do coordenador do MST em Campos foi fartamente distribuída pela agência de notícias Inter Press Service para diferentes sites internacionais e organizações de defesa dos direitos humanos. A matéria foi assinada pela jornalista Fabiana Frayssinet e destacou que o assassinato de lideranças dos trabalhadores rurais faz o país relembrar a ditadura militar.

De retirante a líder de trabalhadores rurais 

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Cícero Guedes, apesar de coordenar o assentamento Luiz Maranhão, morava no assentamento Zumbi dos Palmares. Estava assentado desde 1997. Antes integrava um grupo de trabalhadores que atuava em condições análogas à escravidão, em Alagoas. Ele é tema de um capitulo num livro sobre trabalho escravo no Brasil.
Chegou à cidade de Campos, juntamente com a esposa, na boléia de um caminhão, quando pretendia chegar até o Rio de Janeiro para tentar a sorte. Ficou em Campos por sugestão do motorista que lhe dera carona. Na cidade ingressou no assentamento do MST e destacou-se como liderança.
A Usina Cambahyba faz parte do espólio do usineiro e político Heli Ribeiro Gomes. Produziu açúcar e álcool até finais da década de 80, quando veio pique na esteira da falência de outras indústrias sucroalcooleiras da região.
Parte de suas terras, 3,5 mil hectares, saiu no decreto de desapropriação para fins de reforma agrária em 1998. Em abril de 2000, famílias do MST ocuparam a área para forçar o governo a promover a reforma agrária.
Depois de 14 anos desde a publicação do decreto, o processo continua paralisado.  Agora já estaria sobre a mesa da presidente Dilma Roussef, devendo ter um desfecho ainda no primeiro semestre deste ano.
Em 2005, acolhendo recursos dos herdeiros da usina, a Justiça Federal determinou o despejo das famílias. Mas ano passado, com a divulgação do livro Memórias de uma Guerra Suja, dos jornalistas Marcelo Netto e Rogério Medeiros, os integrantes do MST voltaram a ocupar as terras.
O livro traz um depoimento do ex-delegado do DOPs, o capixaba Cláudio Guerra, afirmando que a usina serviu como forno crematório para incineração dos corpos de 10 presos políticos durante a ditadura militar. A Usina Cambayba tem um débito de R$ 100 milhões com a União.