domingo, 3 de julho de 2011

As patologias do capitalismo e os riscos que trazem para a sobrevivência da humanidade

Marcos Pedlowski, publicado no número 202 da revista Somos Assim


     Provavelmente em nenhum outro período do longo processo evolutivo da espécie humano estivemos defrontados com tantos riscos para a nossa sobrevivência como agora. O curioso é que muitos desses riscos foram criados a partir do que a maioria de nós considera uma época onde conseguimos nos livrar de nossa extrema fragilidade frente ao mundo natural. Mas exatamente nesta aparente libertação dos sistemas naturais existentes na Terra é que residem as maiores razões para ficarmos preocupados. O fato é que a crescente artificialização da vida, que foi possível com as grandes descobertas ocorridas a partir da Revolução Industrial há quase três séculos atrás,está agora apresentando uma fatura salgada.

    O problema é que a cobrança a qual me refiro não está colocada em apenas uma dimensão do nosso cotidiano. Tomando como ponto de partida as mudanças ocorridas nos alimentos que compõem a nossa dieta regular, veremos que já existem evidências cientificas indicando que determinadas doenças se tornaram epidêmicas, como é o caso da diabete que hoje atinge mais de 350 milhões de pessoas em todo o mundo. Um estudo publicado recentemente por uma equipe de pesquisadores do Imperial College de Londres chegou à conclusões inéditas no sentido de associar o consumo de comida fast food ao aumento de pessoas portadoras de teores excessivos de açúcar no sangue. Estes pesquisadores foram ainda mais longe ao caracterizar a diabete como um dos maiores riscos à saúde humana, para a qual a maioria dos governos do mundo não estaria preparada para tratar. E como a diabete é considerada um gatilho para vários outros tipos de doença, a expectativa apontada no estudo é de que também haja um crescimento nos níveis atuais de câncer, doenças renais, derrames cerebrais e hipertensão, apenas para começo de conversa.

     Como desgraça pouca é bobagem, o Instituto Nacional de Saúde (NIH) dos Estados Unidos liberou em 2009 um extenso relatório sobre os impactos de diferentes tipos de contaminantes na incidência de diversos tipos de câncer. Em sua exposição, os pesquisadores do NIH fizeram um levantamento de todas as possíveis fontes de contaminação a que estamos expostos cotidianamente de forma quase universal. Um exemplo disto é a água mineral que a maioria de nós consome de forma acrítica (ironicamente por desconfiarmos da água que chega nas torneiras). Acontece que ao verificar estudos feitos em amostras de várias marcas de água mineral existentes no mercado norte-americano, os pesquisadores do NIH acabaram encontrando evidências de que a maioria continha altos níveis até de substâncias carcinogênicas.

     Mas os perigos a que estamos expostos pela forma com que a sociedade humana está funcionando vão além da exposição a açúcares e contaminantes. Já existem dados científicos demonstrando que as mudanças climáticas estão causando o agravamento, ou mesmo o aparecimento, de patologias transmitidas por insetos. Neste caso se incluem a malária, a dengue, a leishmaniose cutânea, e até uma nova doença conhecida como bartonelose, enfermidade que tem sintomas parecidos com os da malária.  Desgraçadamente neste caso, os países tropicais, o Brasil incluso, deverão ser os mais afetados, visto que os modelos climáticos existentes indicam que os mesmos oferecerão as condições ideais para a proliferação dos vetores que causam a sua disseminação.

      Aliás, as populações dos países da periferia do Capitalismo parecem mesmo destinadas a arcar com o grosso dos problemas causados pela atual funcionamento da economia capitalista.  E não é preciso ir longe para entender como as coisas estão interligadas. Vejamos por exemplo a atual polêmica em torno do prolongamento da permissão para a realização de queimadas antes da colheita de cana. Se nos fosse dado acesso aos dados hospitalares acerca do aumento da ocorrência de doenças respiratórias em nosso município no período das queimadas é possível que, mesmo sem nenhum treinamento estatístico, a maioria de nós chegasse à conclusão de que há uma forte correlação entre elas. Mas então por que a questão da saúde pública sequer é mencionada pelos que atacam as posições do Ministério Público contra a continuidade das queimadas? Com certeza não é por ignorância, visto que no setor sucro-alcooleiro existem lideranças que também têm atuação na área da medicina.  Mas se não é por ignorância, só pode ser por uma decisão racional e lógica de colocar o lucro privado acima do bem estar coletivo.

     A verdade é que os responsáveis pela tomada de decisões econômicas normalmente relegam os problemas causados na saúde humana como externalidades que não precisam ser consideradas. Aliás, só há um setor da economia mundial que não trata as doenças causadas pelo seu funcionamento como externalidade. Mas para nosso infortúnio este setor, o das empresas que fabricam remédios, é aquele que acaba lucrando com o avanço das múltiplas patologias que afloraram em meio ao funcionamento do Capitalismo. E também aqui existem evidências suficientes demonstrando que a lógica predominante não é regida pelo que seria melhor para as pessoas doentes mas sim, pelos interesses financeiros envolvidos.

     Assim, se quisermos ter alguma esperança de sobrevivência, o caminho será o de reverter a lógica macabra que coloca a economia acima da sobrevivência coletiva.